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SUS inicia transição do Papanicolau para teste de DNA com precisão de 97%

Com ares de revolução silenciosa, o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro dá início a uma das mais relevantes atualizações tecnológicas em exames

Com ares de revolução silenciosa, o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro dá início a uma das mais relevantes atualizações tecnológicas em exames preventivos femininos das últimas décadas. A partir de maio, o velho conhecido Papanicolau, que há mais de meio século serve como sentinela do câncer de colo do útero, começa a ceder espaço a um novo protagonista: o teste molecular por DNA (RT-PCR) para a detecção do papilomavírus humano (HPV).

A mudança, ainda em fase inicial, começa por Pernambuco e deverá se espalhar gradualmente por todo o território nacional entre 2025 e 2026. O Ministério da Saúde promete preparar as redes estaduais com treinamentos, capacitações e reestruturação logística, com vistas a uma migração ordenada e funcional. A expectativa é que estados como Minas Gerais se integrem ainda na fase inicial, sinalizando o interesse crescente em tecnologias de rastreio mais eficazes e sensíveis.

A nova ferramenta diagnóstica apresenta um índice de sensibilidade de 97% para subtipos oncogênicos do HPV, em contraste com a metodologia do Papanicolau, que detecta apenas alterações celulares já manifestas. Isso significa que, pela primeira vez na história do rastreamento do câncer cervical no SUS, o foco passa a ser a presença do vírus — e não apenas os efeitos tardios que ele causa nas células epiteliais.

Essa virada científica tem implicações diretas na frequência do exame, saltando de um intervalo trienal para quinquenal, o que, à primeira vista, pode parecer um afrouxamento das diretrizes de rastreamento. No entanto, especialistas como a professora Luísa Lina Villa, do ICESP e da Faculdade de Medicina da USP, alertam que a antecipação do diagnóstico em até uma década permite que lesões pré-cancerígenas sejam tratadas de forma precoce, menos invasiva e com menor custo.

O teste RT-PCR que será aplicado no SUS foi desenvolvido com tecnologia 100% nacional, fruto do trabalho do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP). Trata-se do “Kit Biomol HPV Alto Risco”, com aprovação da Anvisa (nº 80780040020) e capacidade para detectar 14 genótipos de HPV de alto risco. A automatização do processo, além de reduzir erros humanos, elimina a dependência da análise morfológica subjetiva — um dos pontos fracos do Papanicolau.

A substituição, todavia, não vem sem críticas. O Conselho Federal de Medicina (CFM) reconhece os avanços técnicos do novo método, mas pontua que há desafios logísticos, estruturais e regionais, sobretudo nas regiões mais afastadas do Brasil. O médico Ademar Augusto, do CFM, reforça a importância de uma transição bem coordenada e, preferencialmente, com a combinação dos dois exames em um primeiro momento, até que a infraestrutura nacional esteja plenamente adaptada.

Segundo Augusto, ainda há limitações severas na cobertura do próprio Papanicolau, o que levanta dúvidas quanto à real viabilidade da implementação universal do teste de DNA. Os gargalos incluem desde falta de profissionais capacitados até a inexistência de laboratórios com tecnologia compatível, passando por problemas de transporte, refrigeração e armazenamento das amostras biológicas.

Apesar do ceticismo, o governo federal parece empenhado em viabilizar a novidade. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) já conduz as últimas fases de validação clínica do teste, ao passo que a logística de distribuição dos kits, os protocolos laboratoriais e os fluxos assistenciais estão sendo redesenhados para acolher a inovação.

O público-alvo da nova política são mulheres de 25 a 49 anos, faixa etária na qual a incidência do HPV de alto risco tem maior impacto na formação de lesões pré-malignas. Os genótipos 16 e 18, responsáveis por 70% dos casos de câncer cervical, são os principais focos da detecção molecular. Esses subtipos também estão associados a tumores no ânus, pênis e orofaringe, especialmente entre os homens, cuja taxa de infecção ativa também é alarmante: 41,6%, segundo o Ministério da Saúde.

Um ponto que merece atenção dos gestores públicos é o custo inicial da nova tecnologia. Embora mais caro que o Papanicolau, o teste de DNA tende a ser mais econômico a longo prazo, devido à redução no número de exames ao longo da vida da paciente e à diminuição de tratamentos complexos, como cirurgias radicais, radioterapias e quimioterapias. Um estudo conduzido pela Unicamp confirma essa projeção, apontando uma vantagem econômica clara a partir do oitavo ano de implantação.

No entanto, como toda mudança de paradigma, a eficácia do modelo dependerá de políticas públicas bem articuladas. O próprio Ministério da Saúde ainda não detalhou se as diretrizes que regem os planos de saúde privados serão atualizadas para acompanhar o novo protocolo do SUS, o que pode criar assimetrias entre os sistemas público e suplementar.

Apesar disso, instituições como o Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo) já utilizam a metodologia em caráter experimental, embora ainda restrita a casos com suspeita clínica de HPV. A previsão é que a adoção seja integral até o final de 2025, alinhando-se à proposta federal.

No plano técnico, o teste de DNA representa um salto qualitativo não apenas na detecção, mas também no entendimento epidemiológico da infecção por HPV no Brasil. O mapeamento dos genótipos circulantes poderá embasar campanhas de vacinação mais direcionadas, ações de educação sexual, além de permitir uma avaliação contínua da efetividade das vacinas atualmente aplicadas, como a quadrivalente distribuída pelo SUS.

O movimento de substituição do Papanicolau pelo teste molecular não é uma exclusividade brasileira. Países como Austrália, Inglaterra, Canadá e Holanda já adotaram modelos semelhantes, com resultados animadores na redução da mortalidade por câncer de colo do útero. Ainda assim, cada nação adaptou a implantação à sua realidade — e no Brasil, a desigualdade regional e o déficit estrutural do sistema de saúde são variáveis que impõem cautela.

Não menos importante é o papel da comunicação com a população. A substituição do exame tradicional por uma metodologia desconhecida pode gerar desconfiança ou resistência, sobretudo em comunidades com menor acesso à informação. Será necessário um trabalho de educação em saúde, tanto nas unidades básicas, quanto em campanhas midiáticas, para explicar os benefícios, a segurança e os motivos da mudança.

Além disso, como o teste RT-PCR não substitui completamente o exame ginecológico clínico, a abordagem integral à saúde da mulher deve ser preservada. O cuidado ginecológico não se resume à coleta de material cervical, mas envolve um olhar amplo sobre doenças sexualmente transmissíveis, planejamento reprodutivo, conscientização sobre autocuidado e, sobretudo, relações médico-paciente bem estabelecidas.

Em resumo, a substituição do Papanicolau pelo teste de DNA representa uma transformação científica e política de primeira ordem. Com potencial para reduzir drasticamente a mortalidade feminina por câncer de colo uterino, a nova política pública terá de equilibrar avanço tecnológico, realidade do SUS e capacidade operacional dos estados brasileiros.

Aos profissionais da saúde, cabe o desafio de compreender profundamente a nova metodologia, participar ativamente das capacitações e atuar como agentes multiplicadores de informação científica para suas comunidades. E à população feminina, o direito de se beneficiar de um exame mais preciso, menos frequente e, acima de tudo, promotor de uma vida mais longa e saudável.

Com informações Folha de S.Paulo

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