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Sanguessugas modernas e o valor imensurável da pesquisa clínica

No cenário contemporâneo da medicina brasileira, é preciso coragem para encarar a realidade sem o véu da romantização. A analogia feita pelo Dr.

No cenário contemporâneo da medicina brasileira, é preciso coragem para encarar a realidade sem o véu da romantização. A analogia feita pelo Dr. André Zimerman, cardiologista do Hospital Moinhos de Vento, em seu artigo “Sanguessugas do nosso tempo e o avanço da pesquisa clínica”, publicado em 22 de maio de 2025 na seção “Medicina S/A”, não poderia ser mais precisa – e necessária. Com precisão cirúrgica e elegância literária, ele nos conduz da Paris de 1825 às mais sofisticadas tecnologias biomédicas do século XXI, lançando luz sobre um tema que ainda rasteja entre sombras no imaginário popular: a pesquisa clínica.

A imagem da senhora que, por uma dor de ouvido, saiu de um consultório parisiense com o braço coberto de sanguessugas, parece cômica à primeira vista. Mas o riso se desfaz quando nos damos conta de que, ainda hoje, muitos tratamentos oferecidos sem respaldo científico não são muito diferentes daqueles procedimentos obsoletos. As sanguessugas, literal ou metaforicamente, seguem nos rondando – travestidas em promessas milagrosas, modismos pseudocientíficos ou até em resistências políticas e ideológicas contra a ciência. Elas não estão mais nos consultórios de rua, mas se espalham nas redes sociais, nos discursos negacionistas e nos sistemas de saúde que ignoram ou subestimam a ciência baseada em evidência.

É nesse contexto que a pesquisa clínica emerge não apenas como instrumento técnico, mas como ato moral. Graças a ela, saímos da escuridão da suposição para a clareza do resultado testado, mensurado, replicado. A penicilina, a vacina da varíola, os antibióticos modernos, os anti-hipertensivos, os antirretrovirais, todos esses marcos que hoje parecem dados são frutos de método, de hipóteses rigorosamente testadas, de voluntários que aceitaram participar, de equipes que enfrentaram dúvidas, cortes de verba, burocracias, preconceitos e, muitas vezes, risco pessoal.

O Brasil, como relembra o Dr. Zimerman, historicamente vestiu a fantasia do atraso com naturalidade. Por décadas, nos resignamos à condição de consumidores de inovação estrangeira, como se o saber científico fosse uma mercadoria a ser importada e não uma ferramenta que também poderia ser cultivada em solo nacional. Mas isso, felizmente, começou a mudar. Durante a pandemia de covid-19, fomos protagonistas. Instituições brasileiras lideraram ensaios que influenciaram protocolos globais. Foi um choque de realidade e, ao mesmo tempo, um vislumbre do que somos capazes de fazer quando confiamos na ciência e investimos nos nossos próprios talentos.

A fundação da primeira Unidade de Ensaios Clínicos do Sul do Brasil, no Hospital Moinhos de Vento, é um marco que precisa ser celebrado não como ponto de chegada, mas como ponto de partida. Ela simboliza uma virada de chave: o reconhecimento de que produzir ciência em território nacional não é luxo, é necessidade estratégica. E, acima de tudo, é um gesto de soberania e de responsabilidade social. Afinal, cada protocolo aprovado, cada voluntário recrutado, cada linha de dados analisada tem um impacto que ultrapassa as paredes dos hospitais. São vidas poupadas, sofrimentos evitados, famílias preservadas.

Entretanto, nenhum avanço tecnológico é capaz de dispensar a confiança da sociedade. E é aqui que mora o maior desafio: convencer o público de que a ciência não é um capricho elitista, mas um instrumento de proteção coletiva. Isso exige comunicação clara, acessível, honesta. Exige que médicos e cientistas desçam do pedestal e entrem no diálogo com humildade, sem abrir mão do rigor. Exige, também, que se enfrentem interesses corporativos que lucram com a manutenção da ignorância, vendendo placebos disfarçados de “cura natural”, sem o mínimo de comprovação.

Hoje, criamos órgãos em chips, manipulamos genes com CRISPR, desenvolvemos inteligências artificiais capazes de detectar doenças com precisão maior que a do olho humano. E, mesmo assim, vemos famílias inteiras serem devastadas por doenças evitáveis, por falta de acesso à informação de qualidade ou por escolhas baseadas em desconfiança. Não há tecnologia que resista ao colapso do discernimento.

É por isso que a metáfora das sanguessugas ainda serve tão bem. Elas representam tudo aquilo que nos atrasa, que nos prende ao passado, que nos drena energia, recursos e, sobretudo, esperança. Não são apenas práticas médicas ultrapassadas. São também políticas públicas mal desenhadas, gestões hospitalares que desestimulam a pesquisa, legislações que sufocam a inovação, sistemas de ensino que não valorizam o pensamento crítico. São os influenciadores que disseminam curas fictícias, os discursos que colocam a fé contra a ciência, como se ambas não pudessem coexistir com respeito e colaboração.

Mas há resistência. E ela está nos médicos que participam ativamente de comitês de ética, nos pesquisadores que submetem projetos em editais mesmo sabendo das dificuldades, nos pacientes que, com coragem, decidem contribuir para algo maior do que a própria saúde, nos jornalistas que explicam estudos com responsabilidade, nos políticos que enxergam a saúde como investimento e não como despesa. Está, sobretudo, nas instituições como o Hospital Moinhos de Vento, que investem em infraestrutura e cultura de inovação mesmo diante de um cenário muitas vezes adverso.

A história da medicina é, em sua essência, a história da curiosidade humana colocada a serviço da compaixão. E a pesquisa clínica é o motor dessa história. Não há avanço sem risco, sem tentativa, sem erro. Mas também não há cura sem esse processo. O progresso não é linear. É tortuoso, cheio de atalhos perigosos e retrocessos. Mas é possível – desde que se mantenha viva a disposição de caminhar com método, integridade e perseverança.

Por isso, o texto do Dr. Zimerman é mais do que uma crônica médica. É um manifesto ético. Ele nos relembra que cada geração tem as suas próprias sanguessugas para enfrentar – e que a única maneira de vencê-las é investindo naquilo que de fato gera vida: o conhecimento testado, a informação validada, a ciência aplicada com responsabilidade e humanidade.

Que este artigo, lido pelos membros do Sociedade Médica, não seja apenas uma reflexão passageira. Que ele inspire ação. Que provoque incômodo. Que nos leve a repensar os currículos médicos, os investimentos públicos, os incentivos privados, as campanhas de conscientização. Que, finalmente, possamos olhar para o futuro não com medo do que está por vir, mas com a certeza de que estamos construindo as ferramentas necessárias para enfrentá-lo com inteligência, compaixão e, sobretudo, com evidência.

Porque não há maior ato de amor à vida humana do que dedicar-se à ciência que a protege. E não há maior desperdício do que permitir que o conhecimento seja sufocado por desinformação, ideologia ou comodismo. Em pleno 2025, é inaceitável que ainda precisemos defender o óbvio: que a medicina só cumpre seu propósito quando se curva ao rigor da pesquisa e ao testemunho de quem, com bravura, empresta seu corpo para que outros possam viver melhor.

As sanguessugas, felizmente, não são mais protocolo oficial. Mas os perigos da ignorância continuam vivos e adaptáveis. E só um compromisso renovado com a pesquisa clínica, como bem aponta Dr. André Zimerman, será capaz de garantir que os avanços de hoje não se tornem as sanguessugas de amanhã.

Com informações Medicina S/A

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