
Colegas da Sociedade Médica,
Você sabe bem o que vou dizer agora. Não é novidade, mas ainda é algo que insistimos em ignorar até que seja tarde demais. Imagine o seguinte cenário: o despertador toca, mas o corpo e a mente não respondem. Você levanta mecanicamente, veste o jaleco como quem veste uma armadura, e segue para mais um dia de batalha. Só que, desta vez, não há energia, não há foco. Apenas o peso da exaustão. Você já esteve lá, ou conhece alguém que esteve. É o burnout, e agora ele não é mais um fantasma silencioso; é uma condição oficialmente reconhecida pela Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da Organização Mundial da Saúde (OMS). E isso muda tudo.
Com a inclusão do código QD85, finalmente temos uma ferramenta clara, objetiva e precisa para identificar e abordar o burnout como ele merece: uma doença ocupacional. Essa atualização não é apenas um detalhe técnico; é um divisor de águas. Antes, quantos de nós não vimos pacientes (ou colegas!) lutando contra sintomas que, erroneamente, eram confundidos com depressão, ansiedade ou, pior ainda, desleixo ou falta de capacidade? Agora, com o reconhecimento do burnout, temos uma linguagem que obriga empresas, gestores e, sim, nós mesmos, a levar o tema a sério.
E, sinceramente, por que demoramos tanto? Médicos, enfermeiros, professores, policiais e até jornalistas estão entre as profissões mais afetadas, de acordo com o Ministério da Saúde. Você sabe o que isso significa. Estamos falando de pessoas que dedicam suas vidas a cuidar, educar, proteger ou informar, mas que pagam um preço altíssimo por isso. E nós, médicos, somos os primeiros a reconhecer os sinais e, ironicamente, os últimos a buscar ajuda. Quantas vezes você já se sentiu invencível, como se o burnout fosse algo que nunca o alcançaria? Mas ele alcança. E quando chega, é devastador.
Agora, pense em como o burnout é mais do que apenas um problema individual. Ele é um reflexo de sistemas falhos, ambientes de trabalho que não protegem e culturas que valorizam o resultado acima da saúde. O código QD85 é um alerta. Um alerta de que as organizações também têm responsabilidade. Como bem coloca o Dr. Marcos Mendanha, médico do trabalho e diretor da faculdade Cenbrap, a presença do código deve impulsionar empresas a criarem estratégias que evitem esse esgotamento extremo. Afinal, ambientes saudáveis são uma obrigação ética e, agora, também uma questão de conformidade.
Mas sejamos honestos: isso não é só sobre eles, é? Também é sobre nós. É sobre como ignoramos os sinais. Você sabe do que estou falando: insônia, alterações de humor, dores que não passam, aquela sensação de fracasso que não vai embora. Quantas vezes você se olhou no espelho e viu um estranho? Isso não é fraqueza; é um pedido de socorro. E o pior é que a maioria de nós não o ouve até que seja tarde demais.
O que a CID-11 nos oferece agora é mais do que um código. É uma oportunidade. Uma oportunidade de tratar o burnout com a seriedade que ele merece. E isso começa com você. Comigo. Com cada um de nós reconhecendo que não somos super-heróis. Somos humanos, com limites que precisam ser respeitados.
Além disso, precisamos lembrar que o tratamento do burnout não é apenas uma questão de medicação ou psicoterapia – embora esses elementos sejam cruciais. É também sobre mudanças no estilo de vida, a adoção de hábitos que aliviem o estresse e, sim, momentos de lazer com familiares e amigos. Nós sabemos disso. Mas quantos de nós realmente aplicam isso em nossas próprias vidas?
Agora, uma reflexão. Imagine um hospital onde o bem-estar dos profissionais seja uma prioridade tão alta quanto a dos pacientes. Onde haja pausas adequadas, apoio psicológico regular e uma cultura que respeite os limites humanos. Esse é o futuro que o código QD85 nos permite vislumbrar. Mas isso exige coragem. Coragem para exigir condições melhores, para priorizar nossa saúde e, acima de tudo, para admitir que precisamos de ajuda.
E não é só sobre você ou eu. É sobre o impacto que isso tem em nossas famílias, em nossos pacientes e na sociedade como um todo. O burnout não é um problema isolado; ele é um sintoma de algo muito maior. Algo que precisa ser enfrentado com conhecimento, empatia e ação.
Por isso, eu pergunto: você está preparado para fazer parte dessa mudança? Para reconhecer os sinais, buscar ajuda e ser um agente transformador em seu ambiente de trabalho? Porque, no final das contas, cuidar de nós mesmos é o primeiro passo para cuidarmos melhor dos outros. E isso, colegas, é algo que não podemos mais adiar.
O burnout é real, mas juntos, temos as ferramentas para enfrentá-lo. Vamos usar essa nova classificação não apenas como um código, mas como um chamado à ação. Porque, no final do dia, o que está em jogo não são apenas carreiras, mas vidas inteiras.
Agora, me diga: o que você vai fazer a respeito?
Com informações Veja